Kerolzinha
Acho que só me restou esse velho e saudoso método para tentar alguma comunicação com você, já que seus dotes não são muito afins com o mundo digital e sua presença é ausência quando tento te capturar pelo telefone. Então vamos de volta ao começo.

E será que te escrever é uma forma de tentar resgatar algo que encontramos no começo, se depurou no caminho e quase sumiu na urgência contemporânea? Onde – exatamente – perdemos o fio da meada de tanta cumplicidade e necessidade de compartilhar vazios? E tudo o que eu queria era ter uma máquina de datilografar, daquelas que quanto mais antiga mais pesada, na qual eu pudesse tocar de maneira tão abrupta e penosa que o próprio processo da escrita se transformaria no desgaste da saudade e das necessidades sublimadas. Oh, metade afastada de mim, leva o teu olhar que a saudade é o pior tormento, é pior do que o esquecimento...

Ou seria somente falta de amor-próprio te buscar como um pedaço que se dissipou? Diante do tamanho singular da ausência, dos silêncios que você plantou e colheu entre o que éramos e o que nos tornamos, talvez eu não seja mais dotada de amor-próprio mesmo. Mas estou inundada de amor-próximo. De amor-nosso, de amor-seu. Amor à você. Que não deixa calar o murmurinho da saudade, da vontade de remendar retalhos do que sobrou, do que os seus sigilos não conseguem diluir. Oh, pedaço de mim, leva o que há de ti que a saudade dói latejada. É assim como uma fisgada no membro que já perdi...

Será que ainda seríamos capazes de navegar nos olhares, de nos transmutarmos na aura doce e dolorida e deliciosa do outro? Como tantas vezes o fomos. Você é a melhor e mais sólida lembrança de um encontro de mim comigo mesma, de um deixar de me pertencer para habitar os seus desígnios, já que neles, prazerosamente, eu jazia. E onde foi, nesse longo caminho, que deixamos escapulir o deleite de nos reconhecermos no outro? E porque deixou lastros indizíveis a preencher a ânsia do meu vazio? Oh, metade exilada de mim, leva os teus sinais que a saudade dói como um barco, que aos poucos descreve um arco e evita atracar no cais...

Então, eu queria ter palavras que desgastassem a linguagem ao ponto de te transmitir todo o não-sentido, todo o vazio que ficou e que não tendo suas multidões para preenchê-lo, segue indigente de sua compreensão, de sua presença morna e sulfúrica. E será que ainda gostamos do ouvido do outro? Será que o que ouço ainda te seqüestrará? Acredito seguramente que sim. E talvez aqui esteja o vislumbre do caminho da volta, o remendo do fio da meada. Compartilho com você o que batuca no meu oco e múltiplo sentimento, pra te dizer que o seu lugar está te esperando voltar. Oh, metade adorada de mim, leva os olhos meus que a saudade é o pior castigo e eu não quero levar comigo a mortalha do amor. Adeus...


3 Responses
  1. Marina Says:
    Este comentário foi removido pelo autor.

  2. lira Says:

    Kerolzinha, tem um selo para você no meu blog
    beijos
    http://cozinhafacil.blogspot.com/


  3. Marina Says:

    WOW!
    Todo esse tempo sem produzir definitivamente não te enferrujou!

    Imprima a carta e mande pra ele ler à beira mar. =)
    Linda demais!


Postar um comentário